Artigo retirado do Ebook do curso “Introdução ao Pensamento de G. K. Chesterton”.
Quando Deus quis enviar ao mundo Gilbert Keith Chesterton, certamente Ele deixou cair do Céu a idéia de refrescar o acalorado e doente homem moderno não com apenas gotas, mas definitivamente com uma chuvarada de sanidade. Chesterton é um presente de Deus para o Século XX, e figura entre aquelas raras personalidades que tem tamanho peso intelectual que seria uma tremenda injustiça aprisioná-lo somente em seu tempo, retirando-o da famigerada “democracia dos mortos”.
É inegável que o mundo atual não apenas enlouqueceu, mas fixou raízes e fez morada na insanidade. Entre discussões sobre o assassinato de bebês ser algo “legal e seguro” e a patacoada campanha para fazer com que crianças toquem (e se acostumem) com um homem adulto nu, percebemos que não se trata apenas de atos e idéias isoladas e descontextualizadas: há uma enorme engenharia social que, aportando as variadas potencialidades destruidoras das ideologias de “esquerda” e de “direita”, faz com que “a longa marcha da vaca para o brejo” tenha não somente um começo, um meio e um (apocalíptico) fim, como também sobrenomes, endereços, tipos sanguíneos e redes sociais.
Neste mesmo mundo maluco e moderno, todavia um tanto ainda “moderado”, antes mesmo que se desenrolasse planos maquiavélicos premeditados por poucos – como nosso autor –, surge então nosso querido e não pequeno G.K.C.. De tamanho imoderado e um tanto desajustado, Chesterton cresce como é capaz de crescer todo e qualquer gênio, ou seja, um tanto quanto infeliz e estranho. A infelicidade do mundo rondou o coração de Chesterton. De seu próprio natal neste mundo, pontilhou ele assim:
“Curvando-me em cega credulidade, como é o meu costume, perante a mera autoridade e a tradição dos antigos, supersticiosamente engolindo uma história que não poderia checar por experimentos ou discernimento pessoal, sou da firme opinião de que nasci no dia 29 de Maio de 1874, em Campden Hill, Kensington[1]”.
Ora, nada mais comum e genuíno do que ler trechos de Chesterton assim.
Com um humor um tanto refinado e uma infância bastante literária, o jovem Chesterton se desenvolve como pessoa numa Inglaterra tão anglicana quanto inimiga dos papistas. Não queremos aqui antecipar conteúdos deste primeiro módulo – onde veremos detalhadamente os passos percorridos de sua infância, juventude e primeiras obras (além de vários princípios filosóficos e conseqüências intelectuais de suas obras, que nos apontarão para outros quatro módulos) – mas, poderíamos cunhar que Chesterton teve uma família que lhe ensinou como ser feliz na vida, sem lhe explicar explicitamente o que é a vida. Esta e outras perguntas filosóficas perseguiriam sua biografia durante os longos anos de sua juventude, fazendo-o dar voltas sobre si mesmo até aprender que o caminho de casa é sempre o caminho do senso comum.
Como bom filósofo então, aprendeu bem o que é o senso comum. Fazendo carreira como artista – onde se frustrou e logo migrou pro jornalismo – e depois como escritor, Chesterton é aquilo que Dale Alquisth denominou como “um pensador completo[2]”. Cronista, poeta, ensaísta, romancista, versista, e todos os demais “istas” seriam demasiadamente pequenos para aquele que mais de cem quilos com facilidade pesou; todavia, além das habilidades de escritor-jornalista que Chesterton tão bem empregou, não é nada injusto chamá-lo de filósofo, intelectual, professor, mestre e teólogo.
Perambulando pela arte do senso comum, aprendeu a descobrir a válvula da mente que capta a verdade, coisa que nos parece impossível num mundo idólatra da mentira e seus mentirosos. Chesterton foi um exímio defensor da Verdade, daqueles que no medievo seria considerado com alma de cavaleiro. No dia de sua morte, um de seus amigos-inimigos públicos (sim, ele tinha essa capacidade de fazer-se amigo de seus oponentes mais ferozes no campo intelectual) assim descreveu:
O pobre Chesterton morreu;
Deus, por fim, a verdade conheceu.[3]
A Verdade sempre foi o campo de atuação chestertoniano. Com um coração leve, desprendido e amante do bem e do belo, Chesterton investigou a Verdade de cada coisa e em cada coisa a Verdade, que deveria ordenar ao Ser em excelência. Com o título de Defensor Fidei, que lhe foi dado após sua morte, podemos perceber que não era ele defensor de “qualquer verdade” (como se existissem várias verdades), mas da única Verdade, que brota e emana seus caminhos do próprio Deus, encontrando n’Ele resposta e conhecimento daquilo que até Pilatos indagou. E isto muito nos importa!
É de valor extremo para nós saber que, na sua busca fidedigna pela Verdade, Chesterton acabou escorregando em suas próprias heresias e abraçando aquilo que ele chamou de Ortodoxia. Ou seja, quando se busca filosoficamente encontrar e investigar as origens e as causas de todas as coisas, ao empacar no muro da natureza humana decaída damo-nos por vencidos se não nos enamorar-nos daquela que é a maior parte de nosso coração: a fé.
Se, como dizia o Santo Padre João Paulo II, “A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade[4]”, Chesterton foi tão pesado em suas braçadas (como as grandes águias, que são capazes de levantar os mais altos vôos nos céus) que até mesmo o pessimista Franz Kafka viu nele os olhos de Deus. Em sua jornada recheada de sinceridade nas descobertas, foi se desconstruindo bloco por bloco, pedaço em pedaço, de uma maneira que este mundo moderno ilustríssimo de sociólogos e “educadores”, que ensinam o “aprender a aprender” e instrumentalizam palavras para que com palavras enganadoras consigam instrumentalizar vozes e corações não faz a mínima idéia de como aconteceu tamanhas reviravoltas na mente maravilhosa de Gilbert. Sua “desconstrução” se deu na aderência dos grandes dogmas, entre eles o do Pecado Original, e fez com que o temperado gorducho e amante de cervejas passasse por aquele processo no qual chamamos conversão.
É a conversão de Chesterton o que mais importa, isso em sua própria opinião. Para ele, como para todo fiel católico, “nada importa, exceto o destino da alma[5]”. Deixando-se elevar pela união contemplativa que opera todo aquele que consegue unir em matrimônio a fides e a ratio, nosso escritor predileto obteve luzes divinas que complementaram sua predestinação. Não foi Chesterton apenas um grande escritor, mas um inspirado, um iluminado, um extasiado escritor. Sua capacidade de ver a beleza da vida, sua forma mental de avaliar os paradoxos e compilá-los em argumentos ontológicos e demolidores pra cada soberbo adversário, sua exatidão em transpor em palavras tantas experiências humanas que passam despercebidas por todos nós fizeram-no um magistral autor.
Não, não estamos exagerando. Este curso não é um exagero, apesar da humildade de Chesterton provavelmente achar exageradamente engraçado ter um curso sobre seu pensamento; exagerados são todos aqueles que, vivendo num mundo insalubre ao pensamento e desconexo com a própria realidade, passam ou por processos bárbaros de retirada da sensibilidade moral natural ou por histéricos gritos alarmantes de revolução. Ler Chesterton, conhecer sua obra, estudar seu pensamento e aprofundar-se em cada detalhe de sua biografia nada mais é do que um ato de reconstrução da normalidade, das bases e raízes daquilo que conhecemos como Civilização Ocidental. Todo movimento que se faz em direção ao estudo e compreensão deste auspicioso autor nada mais é do que ouvir aqueles que morreram em odor de realidade, e ainda mais quando este mesmo pensador pode ser considerado um santo.
Portanto, navegaremos nós aqui num novo reino: num reino de moralidade e contos de fadas, num reino de heráldicas e reis loquazes, que sempre conotam em sua especificidade a magnificência de nosso Rei. Se deixássemos que este mundo dominasse nossas vidas de modo absoluto, sem qualquer tipo de ação ou reação, não seríamos dignos de portar nem mesmo um diploma de seres humanos, quiçá de termos uma mente e um coração. Pois então adentraremos naquele que tinha não somente uma mente brilhante, mas um ardoroso e esmagado coração, que amava cada pedaço de sua vida como se esta fosse única, como aliás de fato o é. Na transcendência que comporta nossas almas, a fé e a razão são os instrumentos deixados por Deus para que sejamos elevados até nossa natureza espiritual, para o sentido único e real da eternidade querida por um Deus que inventou para nós toda a Criação. O Céu sempre foi e será o contraponto ao enlouquecido mundo moderno, que entre ondas mais altas e baixas acaba sempre vencido por aquela Igreja que não cai, não é derrubada e não erra. Chesterton é uma luz num mundo onde se odeia os cristãos.
Se você veio fazer este curso com o desejo de “se capacitar”, “agregar conhecimento” e frases ademais, este curso não servirá muito para você. Agora, se quiser embarcar numa aventura intelectual que, longe da infantilidade e da ignorância, tornará você mais parecido com uma sincera criança e o fará rever a vida de uma nova maneira, seja pelos olhos ou pelo coração, então este custo será benéfico para você. É na capacidade de ressignificar as coisas e ensinar-nos a olhá-las pela milésima vez de uma maneira totalmente nova que Chesterton nos faz ultrapassar os tons de simples apreciação. Tornamo-nos devotos, amantes, amigos deste homem que esbanjava sabedoria com seu bom-humor paradoxal e intenso coração.
Avançaremos para mares nunca antes navegados por aqueles que adoram a loucura; firmaremos nossas âncoras nas terras molhadas pela Criação do Deus Criador; seremos arrebatados para oceanos que não nos afogam, e se o fazem é para que revivamos não mais num mundo sem dor. Sim, porque é no sofrimento e na condição humana passageira que encontramos em Chesterton um amigo e conselheiro, um homem que aprendeu a amar e a sofrer com o que via de errado no mundo sem jamais perder a esperança na bondade, na misericórdia e na justiça de Deus, e que nos torna muito mais do que “intelectuais”, mas verdadeiros católicos. Ler Chesterton é como se “catolicizar” numa ordem tão nova quanto antiga, e fazer-se homem que enxerga as coisas como elas são. Temos de ser aqueles que, parafraseando GKC, descobrem aquilo que já foi descoberto, e no emaranhado de paradoxais situações encontrar as portas de saídas para todas as contradições. Na Santa Igreja e no mundo real, as contradições são derrubadas, não idolatradas, exceto por aqueles hereges e idiotas que insistem em condenar-se empurrando uma manada inteira junto, para bem longe do senso comum. São aqueles que não compreendem nada do principal, quase nada do subjetivo e tudo sobre o que não convém; todavia, quando confrontados pela sanidade e pelo beleza da Verdade, apegam-se aos chavões incandescentes que, se ascendidos aqui na terra, terminaram por devorar aqueles que nele se apegaram demasiadamente lá no lugar conhecido de todos aqueles que não quiseram conhecer, amar e servir a Deus.
Este curso é para católicos e homens de boa vontade que querem tornar-se cristãos. Que querem converter-se, não somente emocional e moralmente, mas intelectual e espiritualmente. É para aqueles que não querem ser mega-especiais, contentando-se com sua esposa e filhos comuns numa vida bela e comum; é para aqueles que querem viver na humildade aquela santidade convidada pelo Deus que tanto por nós fez e que fez este mesmo tudo por amor. Chesterton precisa ser conhecido, amado e estudado. Precisa ser divulgado, devotado e propagado. E você, quando vai começar a ter coragem e conhecerá seu futuro preferido autor?
Que Deus nos abençoe e nos ilumine com Sua Graça, para que este curso gere frutos de santidade para todos os corações que desejam servi-lo com fé e amor.
Junior Volcan
[1] Chesterton, Autobiografia, p. 27.
[2] Dale Ahlquist, Um Pensador Completo: A Mente Maravilhosa de G. K. Chesterton.
[3] Edward Verrall Lucas, citado por Rodrigo Gurgel no prefácio de O Que Há de Errado com o Mundo.
[4] João Paulo II, Carta enc. Fides et Ratio (14 de Setembro de 1998)
[5] Chesterton, Appreciations and Criticisms of the Works of Charles Dickens.